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Banquetes Ritualísticos Maçônicos: Da Deificação dos Elementos à Celebração Cósmica

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Na aurora da consciência humana, o homem pré-histórico[1] começou a perceber que havia forças invisíveis regendo o mundo visível. Essa percepção deu origem à deificação dos quatro elementos — fogo, água, terra e ar — como manifestações divinas. O fogo era visto como transformação e proteção; a água, como fonte de vida e purificação; a terra, como mãe nutridora; e o ar, como sopro vital. Entre todos, o Sol emergiu como a divindade suprema: fonte de luz, calor, orientação e vida. O homem passou a reverenciá-lo com oferendas de alimentos, danças e rituais que marcavam os ciclos do dia e das estações. Esses banquetes solares, realizados ao meio-dia ou ao pôr do sol, eram os primeiros atos ritualísticos que conectavam o homem ao cosmos.

Assim o homem evoluiu e, ao redor dos grandes rios, floresceram as Grandes Civilizações e por conseguinte as questões metafísicas influenciando a dinâmica desses primeiros povos.

Zoroastro[2], profeta persa do século VI a.C., introduziu uma religião baseada na dualidade entre luz e trevas, bem e mal. Seus rituais eram realizados entre o meio-dia e a meia-noite[3], simbolizando o ciclo solar e espiritual. Após os ritos de invocação a Ahura Mazda, o deus da sabedoria, os fiéis participavam de banquetes comunitários que celebravam a tríade ética: boa mente, boas palavras e boas ações, o nosso “Bom fogo” nos Jantares de Mesa. O fogo sagrado, sempre presente, representava a luz da verdade e a purificação espiritual. Essas cerimônias não eram apenas refeições — eram atos de comunhão cósmica, onde o alimento se tornava símbolo da renovação interior. A influência zoroástrica na Maçonaria é visível na valorização da luz, da ética e da ritualística solar.

O culto de Mitra[4], derivado do zoroastrismo, floresceu no Império Romano entre os séculos I e IV. Os iniciados passavam por sete graus de iniciação, culminando em uma amizade mística com o deus Mitra. O ritual central era a tauroctonia[5] — o sacrifício simbólico do touro — seguido por um banquete sagrado com pão, água e vinho. Celebrado em templos subterrâneos chamados mitreus, o banquete mitraico representava a vitória da luz sobre as trevas e a renovação espiritual. Muitos estudiosos apontam paralelos entre o mitraísmo e os ágapes cristãos, e posteriormente, os banquetes maçônicos, especialmente na estrutura simbólica e na comunhão ritualística.

Com o avanço do cristianismo, a Igreja Católica absorveu diversas práticas religiosas antigas. O banquete ritualístico de Zoroastro, com seu simbolismo ético e solar, influenciou diretamente os ágapes[6] cristãos — refeições comunitárias que celebravam a fraternidade e a fé. A Última Ceia, realizada por Jesus na véspera da Páscoa judaica, foi um kidush[7] — ritual hebraico de santificação — que se transformou na Eucaristia, o sacramento central da Igreja. O pão e o vinho, símbolos zoroástricos e mitraicos, foram ressignificados como corpo e sangue de Cristo. A Maçonaria, ao preservar o ágape em seus graus capitulares[8], mantém viva essa tradição de comunhão espiritual através do alimento.

Os Cavaleiros Templários[9], monges-guerreiros da Idade Média, realizavam banquetes após cerimônias religiosas e batalhas. Esses encontros não eram meras refeições, mas rituais de reafirmação dos votos templários. A mesa era organizada por hierarquia espiritual, e o silêncio precedia a partilha do pão e do vinho. O banquete templário simbolizava a união entre o guerreiro e o divino, a comunhão entre irmãos e a renovação do compromisso com a causa sagrada. Após a dissolução da Ordem, muitos Templários se refugiaram em regiões como Escócia e Portugal, influenciando as guildas de construtores — embriões da Maçonaria especulativa. A Capela de Rosslyn[10], na Escócia, é um testemunho arquitetônico dessa transição, com entalhes que evocam cerimônias iniciáticas e banquetes simbólicos.

Na Maçonaria contemporânea, a Cerimônia Ritualística é realizada nos solstícios de verão e inverno, conectando os ciclos celestes aos ciclos espirituais. O solstício de Câncer (junho) homenageia São João Batista, enquanto o solstício de Capricórnio (dezembro) celebra São João Evangelista. A mesa é disposta em formato de ferradura ou “U”, representando o arco celeste e a união dos irmãos. Cada posição zodiacal influencia a disposição dos elementos na mesa, os brindes, os discursos e os símbolos utilizados. O pão representa a terra; o vinho, a água; a vela, o fogo; e o ar está presente nas palavras e cânticos. O banquete torna-se, assim, uma celebração cósmica, onde o homem se alinha ao universo e à tradição iniciática.

Nas celebrações maçônicas contemporâneas, o banquete ritualístico é uma síntese de representações físicas (mesa, alimentos, utensílios), metafísicas (valores, luz, fraternidade) e exotéricas (gestos, palavras, símbolos visíveis). Cada elemento possui múltiplos significados: o vinho é comunhão, mas também sangue simbólico; o pão é alimento, mas também corpo espiritual; a vela é luz física e iluminação interior. O espaço do banquete contemporâneo é cuidadosamente preparado para que o profano se transforme em sagrado, e o cotidiano em ritual. É nesse ambiente que o maçom renova seus votos, celebra a fraternidade e se conecta com a tradição ancestral que une Zoroastro, Mitra, Cristo, os Templários e os mestres da Arte Real.

[1]Segundo o arqueólogo e professor Gílson Rodolfo Martins, a pré-história corresponde ao período anterior ao advento da escrita, caracterizado por sociedades humanas que, ao interagir com o meio ambiente natural, desenvolveram saberes essenciais à sobrevivência e à cultura. (MARTINS, 2002) MARTINS, Gílson Rodolfo. Breve painel etno-histórico de Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Editora UFMS, 2002.

[2]Zoroastro, ou Zarathustra, foi um profeta persa que viveu entre 1800 e 1000 a.C. fundador do zoroastrismo, propôs uma visão ética dualista do mundo, com a luta entre o bem (asha) e o mal (druj), sob a autoridade de Ahura Mazda, divindade da luz e da verdade. Seus ensinamentos, reunidos nos Gathas, influenciaram tradições religiosas posteriores como judaísmo, cristianismo e islamismo, especialmente em temas como livre-arbítrio, juízo final e moral universal.

[3]Na Maçonaria, a expressão “do meio-dia à meia-noite” representa o período simbólico em que o obreiro está espiritualmente ativo. Inspirada nas cerimônias zoroastrianas, essa fórmula evoca o ciclo da luz — do zênite solar à introspecção noturna — e simboliza a jornada interior entre razão e mistério. No painel do grau de Aprendiz, o Sol e a Lua em quarto-crescente reforçam essa dualidade cósmica e ética.

[4]Mitra é uma divindade indo-iraniana associada à luz, à justiça e à ordem cósmica. No zoroastrismo, atua como guardião da verdade e aliado de Ahura Mazda. Seu culto evoluiu para o mitraísmo romano, religião de mistérios praticada entre os séculos I e IV d.C., marcada por iniciações secretas, banquetes simbólicos e o sacrifício ritual do touro (tauroctonia). Elementos do mitraísmo influenciaram tradições religiosas posteriores, incluindo aspectos éticos e simbólicos presentes na Maçonaria.

[5]No mitraísmo, o sacrifício do touro (tauroctonia) representa a renovação espiritual e cósmica. Ao matar o touro primordial, Mitra gera vida: do sangue brota o vinho, da espinha dorsal emerge o trigo, e do sêmen, purificado pela Lua, nascem os animais úteis à humanidade. Esse ato simboliza a transmutação da força instintiva em fertilidade, ordem e luz — marcando a ascensão ética e espiritual do iniciado no culto.

[6]O ágape cristão é o amor incondicional, altruísta e sacrificial que tem origem em Deus e foi exemplificado por Jesus Cristo. Na Igreja primitiva, esse amor se expressava em refeições comunitárias que promoviam fraternidade, comunhão e solidariedade entre os fiéis. É considerado a base ética e espiritual das relações cristãs.

[7]O Kidush é um ritual judaico de santificação do Shabat (descanso semanal judaico) e das festas, realizado por meio de uma bênção sobre o vinho. Ele marca a separação entre o tempo comum e o tempo sagrado, expressando gratidão pela criação e reforçando os laços espirituais e comunitários entre os participantes.

[8]Os graus capitulares na Maçonaria fazem parte dos chamados Altos Graus e são conferidos após o grau de Mestre Maçom, especialmente dentro do Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA). Eles compõem a segunda série filosófica e são administrados pelo corpo chamado Capítulo Rosa-Cruz.

[9] Os Cavaleiros Templários foram uma ordem militar e religiosa fundada em 1119, com o objetivo de proteger peregrinos cristãos na Terra Santa durante as Cruzadas. Reconhecida pela Igreja em 1129, a ordem combinava vida monástica com habilidades militares, acumulando grande poder político e econômico. Dissolvida em 1312 por ordem papal, deixou um legado simbólico que influenciou tradições esotéricas e iniciáticas, como a Maçonaria.

[10]A Capela de Rosslyn, construída em 1446 por William Sinclair, é uma obra-prima da arquitetura gótica localizada ao sul de Edimburgo, Escócia. Famosa por sua ornamentação esculpida em pedra, a capela abriga símbolos cristãos, pagãos e esotéricos, que alimentaram teorias sobre conexões com os Cavaleiros Templários, o Santo Graal e a Maçonaria. O destaque vai para o Pilar do Aprendiz e os 213 cubos esculpidos, que alguns estudiosos associam a padrões musicais ocultos. Popularizada pelo romance O Código Da Vinci, Rosslyn permanece como um dos monumentos mais enigmáticos da Europa, onde história, arte e misticismo se entrelaçam.

 

Colaboração:
Edson Roberto Gomes Bode
Secretário Adjunto de Educação e Cultura do GOB-MS.

 

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